quarta-feira, 26 de março de 2008

SOB O ESPECTRO DO MEDO.




Já vão longe os bons tempos quando os temores de todo o povo Brasileiro estavam focados em fatos simples e hoje talvez considerados de somenos importância. Nesses tempos os pais tinham medo de ver uma filha desonrada e lavavam essa mesma honra obrigando o pombinho mais afoito, a assinar as folhas cartoriais de casamento na frente de um juiz. Outras vezes lavavam essa honra com sangue ou com a expulsão da filha maldita do seio da família. Os genitores antigos tinham medo também da homossexualidade na família. Algo inimaginável para um lar honrado e que fazia dele um foco de chacotas de toda espécie.


Os rapazes tinham medo de uma doença boba chamada blenorragia, vinda dos becos escuros onde se situavam as zonas de baixo meretrício. As meninas não se enxugavam com as toalhas dos meninos porque receavam uma gravidez indesejada, mesmo virgens. Moça direita só saía acompanhada levando debaixo do braço o que os antigos alcunhavam de “vela”. Os antigos também tinham medos dos ladrões de hábitos noturnos, mas não era o medo moderno que banaliza a vida por qualquer trocado.


Como eram doces esses tempos. E como é amarga a atualidade desse pavor que se amplia em todos os sentidos da existência humana. Hoje o medo vigia em sigilo todos os nossos passos. Se já não fosse suficiente o pavor implícito em nossas doenças ainda precisamos temer a desonestidade dos medicamentos falsificados. E a falta de um médico em algum muquifo mal higienizado que o Poder chama de posto de saúde. E a falta de um leito pra repousar um corpo lesionado por qualquer acidente. E a falta de equipamentos e exames para detectar a extensão desses danos.


É o medo que nos deixa hoje cada vez mais sozinhos. Medo de um erro judiciário que pode nos causar a perda de anos preciosos de nossa existência. Porque casos e mais casos estão em todas as mídias para exemplificar nossa temeridade. Precisamos temer a nossa polícia que por nós é paga para proporcionar segurança. É preciso ter cautela com a nossa juventude, que, totalmente drogada, aponta seus ferros contra as nossas cabeças e não hesita em perfurá-las, por pelo pouco dinheiro que será repassado para alimentar seu vício. É preciso ter pavor das ruas. Nunca se sabe a que distância da nossa integridade física está o próximo motorista bêbado. E que mesmo após tirar a vida de uma pessoa sai incólume de nossas delegacias ou julgamentos com penas de dois anos que serão trocadas por cestas básicas em futuro breve, sob o sofisticado titulo de crime culposo, sem a intenção de matar.


Hoje precisamos ter medo dos nossos governantes. Alguma canetada irresponsável e pronto, lá se foram pro olho da rua mais de 10 mil trabalhadores do Estado, provocando suicídios, falências, aumento dos níveis de violência e desespero de toda ordem. Outra canetada e lá se vão por água abaixo os direitos da saúde dos nossos educadores.


Precisamos ter cautelas com a justiça. Uns passam anos na cadeia por furtar um desodorante, e outros vivem nababescamente debaixo da teta safada da politicagem suja. É preciso ter medo de haver nascido negro. É preciso medo de ter nascido pobre. É preciso ter medo de amigos com opiniões contrárias à tirania vigente. É preciso ter medo de ser jornalista. É preciso ter medo de dever cincoenta reais e ser assassinado por isso. Precisamos ter medo de fazer amor porque corremos risco de vida. Precisamos ter pavor da tuberculose que hoje mata cinco mil Brasileiros por ano. Precisamos ter medo do Aedes Agipty e sua carga maligna. Precisamos ter medo das escolas que nos tempos antigos era um ambiente saudável e hoje é ponto de encontro da marginalidade que coopta nossos filhos para a delinqüência. Precisamos ter medo de ser honestos. Precisamos ter medo de entrar em bancos e morrer em meio a um assalto recheado de ódio desmedido. Precisamos ter medo das igrejas que nos enganam para se tornarem milionárias. Precisamos temer padres pedófilos. É preciso cautela para não ingerir comidas putrefadas nos nossos restaurantes.


Precisamos temer seguranças de boates e inferninhos de toda ordem. Precisamos temer o sol e os seus raios ultra-violetas causados pelo desaparecimento da camada de ozônio. É preciso ter medo da água que nos enviam como potável. É preciso temer os peixes que vivem dentro dela por serem transmissores de despejos químicos e doenças de toda ordem.


Medo, medo, medo, moço. Ainda sou bem moço pra tanta tristeza/ deixemos de coisas e cuidemos da vida/ se não vem a morte ou coisa parecida/ e nos arrasta moço sem ter visto a vida.


Medo Belchior. Vivemos sob o espectro do medo.
Cícero Cavalcanti

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