A FRÁGIL CONSISTÊNCIA DOS DEUSES.
Ainda existem algumas inocentes opiniões que costumam vestir com uma certa divindade, todos aqueles que ocupam os poderes dentro do sistema democrático. Deuses coisa nenhuma. Pessoas perfeitamente normais, às vezes querendo ser mais inteligentes que as outras e que, por isso mesmo, são capazes de cometer imensas burrices. E isso geralmente acontece quando a luz da ambição tem muito mais watts do que a visão da realidade suporta. A conseqüência é uma cegueira total e absoluta, como uma cortina ou um Black out, que isola o poderoso das manhas e artimanhas de toda a sociedade que o cerca.
E haja manha e artimanha nesse mundo complexo do poder.
Por vezes, um pobre desavisado começa a pensar que pode tudo. E pensa porque é paparicado por puxa sacos que ele mesmo colocou no segundo ou terceiro escalão do comando, na maioria das vezes em negociações não explícitas, em um toma lá dá cá que termina por amarrar o rabo do leão na cauda da caça. Pronto. A partir daí a impressão do poder absoluto começa a tomar conta do pobre infeliz, que deixa de perceber a chegada mansa e ardilosa dos inimigos que o cercam. Inimigos com bocas imensas, dentes arreganhados e armas jurídicas de grosso calibre, que o tirano jamais imagina que possam ser usadas contra ele.
Basta um descuido. Uma tropeçada apenas no terreno acidentado e escorregadio do “isso pode e isso não pode” e o tombo anunciado vem espalhafatoso e fatal. A coluna vertebral, dos apoios incondicionais, se quebra. Os braços que antes aplicavam gravatas no pescoço dos descontentes começam a afrouxar em intensidade, já permitindo que a dissidência fale ou até mesmo grite. As pernas da parceria começam a dar sinais de flacidez. E tudo vai por terra.
E o final é triste. O antigo deus onipotente, de uma hora pra outra jaz ao chão, enlameado e sujo, sacrilegamente exposto aos risos e escárnios dos que antes o adoravam.
Não faz muito tempo que todos nós presenciamos alguns deuses assim. O olimpo tinha endereço certo e conhecido. A voz da divindade maior ribombava nas paredes da casa, para que seus altos decibéis ocultassem o ruído de cofres sendo furtivamente assaltados. Uma dinheirama imensa, capaz de comprar cadeados para todas as bocas e silêncios a peso de ouro.
Enquanto anjos e arcanjos diziam amém, uma leva de demônios se articulava. Jornalistas rejeitados insuflavam a rebelião. Partidos políticos menosprezados discutiam estratégias maquiavélicas para derrubar o castelo. Sem contar com o lado da lei que pacientemente acompanhou todos os lances desse jogo sujo, e terminou por desmontar tudo, como um imenso dominó e apenas com um peteleco na primeira pedra.
E os deus foram expulsos do olimpo. Eu os vi saindo. Alguns em carruagens negras e douradas, com luzes em cima, e devidamente acompanhados por homens fortes, com coletes a prova de bala.
E onde estão os amigos dos deuses? Onde foi parar aquele séquito imenso que os acompanhavam em eventos e ocasiões especiais, com pompas e circunstâncias? Cade as vozes que silenciaram perante outra mais alta e retumbante, que ditava leis às vezes ao revés da própria lei? Eu não sei. E quem sabe não conta.
E isso é democracia. E esse é o embate democrático. Um jogo poderoso que eleva qualquer ser humano aos píncaros da glória, mas não hesita nem um segundo em empurrá-lo abismo abaixo, rumo à planície dos pobres e esquecidos mortais. E ainda castigá-los. Apenando todos eles, tanto com as sentenças das prisões, quanto com a maravilhosa ferramenta de expurgação que ela própria chama de sufrágio ou voto.
E deuses mortos, deuses postos. E a minha única oração a todos eles é que entendam de uma vez por todas, a fragilidade mortal de suas consistências e atentem com denodo às missões para as quais foram designados. E dispam-se dessa fantasia divina e olhem com benevolência o povo que os elegeram, porque aí sim, mesmo não sendo deuses, serão heróis inesquecíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário