segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O P DA PEITA



Todas as vezes que eu leio o preceito legal da imunidade parlamentar, o meu entendimento sobre sua necessidade cai no vazio. A mim me parece faltar alguma coisa que preencha a necessidade da imposição do seu contexto. Não há justificativa capaz de comprovar a obrigatoriedade de sua existência, que eleva um ser humano passível de erros como todos nós, acima do bem e do mal. O significado de tudo passa a causar estranheza e, paradoxalmente, admite que ações cometidas ao revés e fora da lei sejam admitidas por ela mesma como legais.

Dessa forma o instituto da lei abre uma brecha dentro de sua própria construção, admitindo ao mandatário eleito pelo povo, o refúgio seguro e livre da munição pesada nascidas da indignação popular e das instituições públicas encarregadas de sua defesa. Com a imunidade parlamentar tudo é permitido. Pode-se lesar, corromper, peitar e exercer todos os podres poderes que o simples fato de ter sido eleito por um povo enganado, permite.

Não se justifica sob qualquer hipótese que atos distantes das atividades parlamentares, e que se constituem como crimes para os mortais comuns, esbarrem nesse verdadeiro anteparo desnecessário e completamente fora dos princípios de igualdade com o qual a justiça deve ser imposta para todos.

Não se pode admitir - a não ser por manifestação de idéias, posicionamentos divergentes de ideais, ambições de poder ou posturas políticas diferençadas, - que um ser vivente qualquer esteja amparado pela lei, para desrespeitá-la, em uma exceção perigosa, que coloca em risco os princípios sociais mais elementares.

E o que agrava mais toda a discussão sobre o assunto, é que a imunidade parlamentar recebe o não unânime de toda a população e é mais um desses imensos sapos que ilusória soberania do povo precisa engolir. Ninguém a admite. Ninguém a aceita. Ninguém a suporta. Porque é desrespeitosa. Porque é aviltante. Porque nos faz a todos de palhaços.

Políticos podem se trair? Podem e é esse jogo de inteligência que dá nuances mais coloridas ao embate democrático. Políticos podem almejar mais poderes? Podem, porque a ambição de uns é a resposta à tirania de outros e assim se equilibra a balança democrática. Políticos podem lutar por mais vantagens financeiras para exercer seus mandatos eletivos? Podem também, desde que pelo amparo da lei e conscientes do preço que pagarão por isso em eleições vindouras.

Mas imunidade geral e irrestrita não. Isso é jogo sujo, que, vindo com regras que favorecem o desmando, mostra o placar da derrota humilhante de um povo inteiro que deu o seu voto na mais absoluta confiança.

Mas eu tenho uma explicação viável. E de uma simplicidade franciscana: em uma dessas reuniões noturnas, tão comuns à nossa vida parlamentar, alguns mandatários – não todos – resolveram tirar o P da palavra impunidade. Pronto. Assim fica trocado o seis por meia dúzia. Imunidade é impunidade sem P. O P de peita.

Só pode ser essa a explicação para esta tão famigerada imunidade parlamentar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gosto deste estilo.Alguém tem que ficar como vigia constante desse abuso chamado Brasil. Parabens.

Anônimo disse...

Fica claro que os leitores deste blog não gostam muito dos seus assuntos sérios. Eu adoro. Marilda.

Anônimo disse...

Seu texto consegue sempre a proeza de ser sério e bem humorado ao mesmo tempo.Helio Gomes.