terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL


Faz pouco tempo que o Brasil ficou estupefato com a história de uma criança de apenas 12 anos. Um menino, igual a todos os outros, que brilha os olhos em um campinho de futebol todo esburacado de periferia, uma bola e toda a molecada gritando feliz e enlameada por respingos de barro e chuva.

Menino desses de soltar pipas nas esquinas, sob a vigília atenta de anjos da guarda, que empurram a linha do brinquedo pra longe dos fios de alta tensão. Menino de vida simples, desses que acordam resmungando quando a mãe chama para ir à escola e que se contentam com um copo de leite, café e pão com margarina, para ir à pé para a escola e agüentar quatro ou cinco horas ininterruptas de aulas.

Mas nem isso o nosso menino tinha. Nem o pão, nem a margarina, nem o leite e nem a escola. Ele faz parte da crueldade imposta por um País de desigualdades que impressionam. Um Brasil onde apenas 10% de toda a população dividem cercade 45% de todas as riquezas, e outros 10% mais pobres brigam entre si por um pedaço de apenas 1% desse mesmo total. A conta é mais ou menos esta: se o PIB Brasileiro fosse igual a mil reais, os mais ricos - que hoje representam mais ou menos 20 milhões de pessoas –embolsariam quatrocentos e cinquenta reais; a classe intermediária ou média - que soma cento e sessenta milhões de cidadãos - repartiria outos quatrocentos e cincoenta e, lá no fundinho do poço, onde a visão da insensibilidade quase não avista, outros vinte milhões de pessoas brigariam entre si por apenas cem reais.
E é exatamente aí, ou um pouco mais abaixo ainda, que a família dessa criança tentava sobreviver.

Família composta por um pai inválido com uma doença séria no esôfago e que tenta - desesperadamente e sem sucesso - uma aposentadoria por invalidez, sem qualquer manifestação de sensibilidade da famigerada previdência social Brasileira. A mãe, também desempregada, nada pode fazer para suprir as necessidades dos filhos, conseguindo alguns trocados com lavagens de roupa e outras tarefas domésticas. Uma irmã, ainda menor de idade e na adolescência dos seus 16 anos, busca por um emprego. Coisa difícil em um País que proíbe o trabalho de menores de 18 anos.

Esse é o retrato da dor. Isso não foi publicado nos jornais. A noticia veio fria e impactante dando mostras de que se tratava de um criminoso contumaz e já velho conhecido da polícia. Mas talvez a história seja outra. História que começa com uma declaração da mãe do “elemento” - conforme jargão da polícia - deixando claro que “perdeu o controle sobre o bandido, quando ele comprou, pela primeira vez, alimentos para a família”. A partir daí essas compras se tornaram rotineiras, sem que ninguém soubesse a origem do dinheiro ou então porque a dor da fome é capaz de embotar todos os outros sentidos e o senso de dignidade.

Mas a surpresa é que nosso ladrão tem apenas 12 anos de idade. Um moleque em plena fase de peraltices e responsável por uma ficha policial bem maior que os seus 1,60m de altura. Nela se encontram furtos de todas as modalidades e ainda a especialização na apropriação indébita de automóveis nas ruas.
O meliante em questão já foi detido por mais de 10 vezes e parece não dar mostras de querer mudar de vida. Pelo menos enquanto a dinheirama esparramada nas mordomias incontidas do poder e na gastança desenfreada dos ladravazes do dinheiro público, não der pelo menos uma mãozinha a tanta necessidade.

E é aí que entra o herói desta história. O Meretíssimo – aqui cabe este elogio – Juiz de Direito Iasin Issa Ahmed toma as dores da família e muda, inusitadamente, o final da nossa história. Ao invés da sanha as vezes impensada das sentenças que apenam o individuo à inutilidade pelo resto da vida, este senhor fez diferente. Encaminhou um pedido para o Centro de Referência de Assistência Social de Santo Amaro, em regime de prioridade, solicitando a inclusão da família em programas sociais, o que, de acordo com ele, será providenciado em um prazo de trinta dias. Mas o Meretíssimo – ele merece o termo – Juiz fez mais. Solicitou que o poder público criasse internatos para incluir em escolas públicas, essa infância e juventude que hoje pode ser comprada por dinheiro de comida.

E essa não foi a primeira vez que Ahmed tentou essas providências. No seu histórico constam pelo menos 10 solicitações iguais, que revertem a história da idiotice penal, subverte a insensibilidade do poder e ataca frontalmente os que acham que bandidos nascem bandidos e morrem bandidos entre 12 e 25 anos de idade.
Parabéns Sr. Ahmed. A sensatez se sente orgulhosa da sua presença no meio jurídico. Os valores humanos andam espalhando aos quatro cantos que há sim luz no final do túnel. A esperança adia mais uma vez sua morte programada e todos podem entender que um pouquinho de boa vontade, nada que ocupe tanto o tempo precioso das Excelências Brasileiras, pode resolver muito.

E que fique bem claro aqui que na mentalidade dos que se bandeiam para o crime não existem só a maldade e a violência. Existem também a desesperança que provoca o pânico, a descrença no senso de humanidade, o asco pela inexistência da justiça social e o descrédito total em qualquer promessa de amparo e de auxílio.

E que todos fiquem sabendo que este menino pode ser facilmente encontrado em qualquer bairro de periferia, onde pairam as nuvens tenebrosas do perigo iminente, sem que sopre qualquer brisa de alento ou prosperidade.

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