sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

INOCÊNCIA


Eu estou saindo dos piores trinta dias da minha vida. Nunca antes na história deste País alguém trabalhou tanto. Mas não tinha outro jeito. As dívidas acumuladas pelo “deixa rolar” do fim de ano, já estavam rosnando a meio metro do meu indefeso bolso, e, fofoqueiras como são, estavam prontas pra fazer fuxicos meus pro SPC e pro CERASA.

O pianinho que eu toco todo fim de semana, definitivamente não é suficiente para dar conta de todas as necessidades das mulheres que me juram amor eterno e usam e abusam da minha inocência.

E eu sou daqueles defuntos sem choro. Não sou aliado político de ninguém, não puxo saco de patrão, não tenho um deputadozinho que me ampare em minhas tristes contingências, e nem sequer conheci um Arrudazinho, por menor que seja, que tivesse a benevolente idéia de me chamar pra uma pungazinha xexelenta.

Até porque todos sabem que receberiam um “vai tomar no cú” bem no meio das ventas. Ou um “vai tomar no olho do seu cu” desta vez com CEP.

E eu diria isso não por patriotada ou por extremada honestidade. É cagaço mesmo. Eu sou daqueles que quando tenho razão, fico valente que nem cachorro grande brigando por cio de cadela. Mas, errado, sou um dos maiores covardes que uma mulher possa ter dado à luz neste mundinho sem porteira.

Fico imaginando meu nome na boca de” matildes”, ou minha imagem aparecendo em algum daqueles programas policiais nojentos que passam em todo o Brasil, bem na hora do almoço.

E assim prefiro ir levando essa mancha de inocente, hoje tão criticada e tão humilhada por aqueles que andam por aí em carrões importados e ostentando riquezas que ninguém sabe de onde vieram. Ou sabe.

Eu sou inocente por não cometer crimes ou por absoluta falta de vocação pra ser um fora-da-lei. E não estou sozinho nisso não.Conheço muitos assim como eu. Todos viventes em meio a dificuldades e correndo risco de morrer de dengue por falta de assistência médica.

Existem outros, neste imenso universo da inocência.

Existe o inocente que pensa que seus nós não virão ao pente. Que podem tudo e que as mazelas praticadas em meio a inebriante festa do poder, jamais serão descobertas por se tratar de crimes perfeitos, onde a bandidagem e a justiça estão em conluio.

Ledo engano. Pura inocência. Sempre haverá um bandido mal servido ou insatisfeito.

Esse, - se não se tornar arquivo morto, encontrado cheio de moscas na beira de uma rodovia qualquer – vai por tudo a perder, denunciando sorrateiramente o jogo sujo.

Existe o inocente que entra de gaiato. O inocente laranja que, perante a magnitude de uma incelença qualquer, empresta seu nome pra contas fantasmas ou empresas fictícias, dessas que participam de concorrências públicas. E isso em troca de merrecas financeiras, que só atendem ao estomago e as necessidades urgentes de suas famílias.

Existe o comprador de inocência. Estes são os piores. Alcagüetes sujos e nojentos, participantes da farra da ladroagem que, ao perceberem o fechamento do cerco, resolvem filmar e dedurar seus parceiros.

Há também o inocente ideológico. Aquele que, no alto de verdadeiros privilégios de inteligência e cultura, age em boa fé e acredita piamente que seus líderes são messias vindos ao mundo para melhorar a péssima vida que todos vivem.

Esses eu perdôo. E até espero que tenham razão. Seria tão bom se tivessem...

E, finalmente, os inocentes por necessidade. E por aqui, estes são os que mais impressionam. Em troca de pouco mais de uma centena de reais, fecham suas bocas.

Mudos, apenas balançam a cabeça afirmativamente, perante qualquer estultice vinda dos que compram seus silêncios.

São os amordaçados pela fome. Pela necessidade premente. Por viverem ao revés de um desenvolvimento pródigo com poderosos e cruel com os menos favorecidos.

Inocentes catatônicos nas salas de espera da saúde. Inocentes sendo cooptados pra bandidagem na flor da idade. Inocentes drogados nos becos e nas vielas. Inocentes prostituidas para o sustento de uma prenhez abandonada por um irresponsável.

Inocentes mortos por irresponsabilidade bêbada nos volantes, na fila de espera do ônibus.

São mais de sessenta milhões de inocentes. Todos crédulos. Todos com esperança no futuro que já se arrasta por mais de quinhentos anos.

E o pior. Não há argumento, não há meio, não existe força capaz de lhes tirar essa subserviente e tão necessária inocência.

2010 conta com eles.

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