sexta-feira, 20 de junho de 2008

A PRIMEIRA PEDRA.



Em um sentido mais amplo a palavra corrupção significa muito mais do que os atos ilícitos cometidos por representantes de todos os poderes no Brasil, visando vantagens pessoais. Usada nesse sentido pequeno e restrito, fica a impressão de que corromper ou ser corrompido são ações que dizem respeito apenas aos negócios públicos e que envolve unicamente dinheiro oriundo dos impostos retirados, sob os mandos da lei, dos bolsos de toda a população do País. Corrupção tem um conceito mais amplo e, ao mesmo tempo em que significa os desvarios da politicagem suja que só pensa no próprio bolso, significa também deteriorações de toda ordem, tanto no plano psicossocial quanto em pequenas e não menos criminosas safadezas cometidas diuturnamente por todos os Brasileiros.


Talvez esteja aí a tolerância da população do Brasil com relação às gatunagens públicas. E isto porque somos um povo afeito a pequenos furtos ou desrespeito constante de toda a ordenação social. Recentes pesquisas mostram que o cidadão Brasileiro, em quase sua totalidade, não passa poucas horas do dia sem cometer um desrespeito à lei ou aos ditames de atos simples e civilizados que se prestam a melhorar a qualidade de vida de todos. Invariavelmente todos já fizemos isso e continuamos fazendo, como se atos não civilizados de pequena monta pudessem ser cometidos já que compõem o cotidiano de todos. E já que todo mundo faz, porque não fazer também?


É assim que jogamos vasilhames de lanches na rua, sem a visão de que em futuro próximo esse acúmulo vai entupir bocas de lobo e inundar bairros inteiros mesmo com chuvinhas de pequena intensidade. É assim que fazemos gatos na energia elétrica. É exatamente por esse motivo que executamos ligações interurbanas particulares nos telefones da empresa em que trabalhamos. É por isso que desrespeitamos as leis de trânsito provocando acidentes de toda ordem, dirigindo embriagados, ultrapassando sinais vermelhos e não respeitando faixas de segurança. É por isso que se depredam patrimônios públicos sem a consciência de que isso sai do bolso de todos. Por isso também pedimos favores a amigos em filas, em desrespeito claro ao direito de terceiros. E também deixamos o som alto sem preocupação com o sossego dos nossos vizinhos. Sem contar que adoramos a pirataria em todos os sentidos.


O Brasileiro, via de regra, é sempre um contraventor. Mas não está sozinho nos desrespeitos mais básicos da cidadania. Somos também o povo mais assaltado em todo o mundo, pela iniciativa privada que nos serve tanto em prestações de serviços como em produtos industrializados. Aqui comemos lanches expostos à moscas e à sujeiras nas ruas. Pagamos por ligações não realizadas em todas as prestadoras de serviços de telefonia. Compramos carne estragada, leite com data de validade vencida e ainda misturado com água oxigenada. Adquirimos remédios falsificados. Somos lesados na conta de energia elétrica e pagamos por água potável de qualidade duvidosa. Compramos passagens aéreas sem a contrapartida do lugar. E para piorar tudo somos roubados em 40% de tudo o que consumimos, sem qualquer contrapartida visível.


E assim vamos tocando nossas sofridas e apenadas vidinhas. Cada um roubando da forma que pode. Na gasolina adulterada. Nos pesos das mercadorias que nunca correspondem com exatidão ao anunciado na embalagem. Nos cartões corporativos. Nas diárias pagas sem necessidade para Excelências em viagens de turismo. No dinheiro recebido pela devolução da folha paralela. Nas concorrências direcionadas que funcionam como um ralo de quantidades inimagináveis de dinheiro jogado fora. No superfaturamento. Nas notas fiscais frias. E outras e milhares de safadezas.


Corrupção é isso. No sentido restrito é o ato ilícito praticado por mandatários, administradores ou togados dos nossos três poderes. No sentido amplo corrupção é devassidão, apodrecimento, putrefação, decomposição. Corrupção é deterioração de princípios. É viver e contribuir para a bandalheira generalizada, ativa ou passivamente. Exatamente o que anda acontecendo na nossa imensa Pátria amada.


Somos então duzentos milhões de corruptos a praticar a corrupção diuturnamente. Por isso convivemos bem com ela. Aceitamos calados. Quietos. E quem jamais cometeu um ilícito na vida, que se manifeste agora. Caso contrário cale-se para sempre, ou atire a primeira pedra.

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