ESQUERDA: UM TSUNAMI NA AMÉRICA LATINA?
“O que será que será que andam suspirando pelas alcovas?/Que andam sussurrando em versos e trovas?/Que andam combinando no breu das tocas?/Que anda nas cabeças anda nas bocas?/Que andam acendendo velas nos becos?/ Estão falando alto pelos botecos/ E gritam nos mercados que com certeza/ Está na natureza será que será?/ O que não tem certeza nem nunca terá!/O que não tem concerto nem nunca terá!/O que não tem tamanho...”
Essa é a letra de uma das inúmeras obras de arte musical compostas por Chico Buarque de Holanda. Não tivesse eu a certeza de que a canção foi gravada muito antes do primeiro mandato do Presidente Lula, poderia afirmar que ela se prestaria hoje para o fundo musical do Petismo que hoje invade o País. Nela Chico Buarque nos remeta a uma paranóia comum, ou a uma visão profética de tempos de liberdade, ainda ausentes nos momentos de redemocratização do País, – época em que a música foi composta - que culminou com a morte de Tancredo Neves e a subida de José Sarney ao Planalto.
Chico Buarque sempre foi da esquerda. Mas de uma esquerda consciente, não beligerante e com vistas a uma sociedade mais justa. Chico é um dos expoentes da intelectualidade Brasileira, conhecedora com profundidade de todos os problemas do Brasil, adepta da liberdade e nunca de ideologias totalitárias e herméticas.
Mas a pergunta fica no ar. O que será que andam combinando no breu das tocas? Que anda nas cabeças e anda nas bocas? Seria uma guinada radical no contexto político da America do Sul? Seria um tsunami de esquerda a inundar todo o cone sul das Américas, em uma resposta aos martírios sofridos por anos e anos de militarismo?
Não existe qualquer embasamento que ampare esse raciocínio!
É difícil imaginar um pensamento único envolvendo países tão diferentes. Primeiro porque em alguns deles existe um componente étnico que os diferencia. Sabe-se que os índios americanos do lado oeste da América do Sul foram colonizados a partir de um estágio superior de evolução cultural, e já praticavam uma civilização bem mais sofisticada que os pares do resto das Américas. Os índios, se é que podem ser chamadas assim todas as civilizações andinas dominadas pela colonização espanhola, mantêm até hoje um desejo de vingança por todo o sofrimento imposto a elas durante centenas de anos, durante os quais só mudou a geografia do comando, sendo que as humilhações continuaram as mesmas. É preciso entender também que com exceção do Chile, do Uruguai e da Argentina, a invasão da Europa não significou a maioria dos colonizadores sobre os colonizados, mantendo-se assim um rígido controle étnico dos povos já existentes na região, diferençado apenas pela imposição econômica.
Outro ponto que desmente a unidade da retomada da esquerda na America do Sul é a formatação de suas respectivas economias. Ao contrário do Brasil, a esquerda sul americana - excetuando-se de novo a Argentina, o Uruguai e o Chile - trabalha com uma visão sócio econômica diferenciada, exatamente porque carrega nas costas o diferencial étnico. Lá uma visão nacionalista envolve suas populações em um posicionamento anti eurocêntrico e também contrário ao chamado “imperialismo americano”. Dessa forma a maior étnica que corresponde aos povos andinos no seu todo, luta com unhas e dentes para retomar suas antigas prerrogativas econômicas sobre a região.
Um posicionamento que, se ainda não anda tirando o sono do capitalismo mundial, - em vista das imensas reservas de petróleo e gás natural existentes em seus territórios, - já começa a tirar a paciência dos interesses internacionais. Uma beligerância e antagonismo impertinentes, vindos de bocas que se mostram despreparadas e pequenas para resolver problemas de tal importância (O mesmo Chávez que conseguiu em uma segunda manobra – a primeira, contra Carlos Perez não deu certo porque houve uma traição no próprio movimento – era, com todos os seus aliados bolivarianos, Tenente Coronel da ativa, e hoje tenta comandar o País com o mesmo espírito militar dos seus derrotados).
O Brasil se diferencia mais ainda das esquerdas latino-americanas. Aqui o grande pacto social foi feito entre o estomago e o cérebro, unindo de uma só vez a grande inteligência econômica e a miséria absoluta. A inteligência ficando cada vez mais rica com a imensa dívida interna do País que hoje gira em torna de seiscentos bilhões de dólares. Aqui se incluem o capital bancário, o agronegócio, a indústria, os fundos de pensões e outros apadrinhados do sistema. Todos se locupletando da austeridade fiscal imposta ao povo Brasileiro. Paralelamente caminha a miséria onde quarenta e cinco milhões de pessoas tentam sobreviver do bolsa família. A mesma austeridade fiscal que privilegia nossa dívida externa e deixa sem amparo a saúde, a educação, a segurança e outras necessidades básicas de todos os Brasileiros.
Isso é esquerda? Sim é esquerda, mas uma esquerda mais sofisticada, politiqueira, que tomou corpo a partir de idéias da própria direita – Plano Real etc...- melhorando sua eficiência e calando-a quase definitivamente.
Portanto não existe um tsunami de esquerda na América do sul. Se existe é algo que está sendo tramado no breu das covas, nos botecos e nos becos, como bem o disse Chico Buarque. São apenas as mesmas ondas nascidas de movimentações tectônicas com epicentros diferenciados. Pequenas e que já demonstram perder forças frente a magnitude das cordilheiras imensas e irremovíveis do capitalismo mundial. E que por si só tende a se acomodar como todos os movimentos sociais dos últimos tempos.
O resto é alarme falso.
Felizmente ao final a música de Chico Buarque traz um alento: “E mesmo padre eterno que nunca foi lá/ Olhando aquele inferno vai abençoar/ O que não tem governo nem nunca terá!/ O que não tem vergonha nem nunca terá!/ O que não tem juízo...”.
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