QUADRILHA
Em um dos seus grandes poemas, Carlos Drummond de Andrade descreve fatos corriqueiros do cotidiano, aparentemente sem qualquer conteúdo. Aparentemente, apenas aparentemente. O poema se intitula Quadrilha e descreve acontecimentos comuns aos relacionamentos, mas surpreende ao final mostrando dolorosamente o que o futuro reserva a eles.
“João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém”.
É assim que o grande mestre de Itabirito inicia sua estória. Todos os protagonistas se entrelaçam com suas paixões não retribuídas e que vão desaguar em Lili, a única que não amava ninguém. E assim, em poucas palavras fica descrito com clareza as emoções jovens dos seres humanos, totalmente despreocupadas com o futuro. Mas o futuro chega e Drummond, em mais um parágrafo, expõe a surpresa final, escancarando o contrário do que comumente esperamos de histórias assim.
”João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história”.
E assim Lili que não amava ninguém, foi a única que se deu bem na história e com um personagem que não fazia parte do contexto.
Bem mais tarde, Chico Buarque de Holanda aproveitou-se dessa grande idéia de Drummond e inundou os ouvidos do Brasil com uma canção chamada Flor da idade. Chico respeitou a coluna vertebral do poema bem como suas ramificações nervosas, mas acrescentou mais despudores a ela. Em sua música Holanda retrata a Maria, uma das protagonistas do poema de Drummond, e a envolve em uma permissividade promíscua, como soe ser a vida da juventude dos novos tempos.
Nessa música Chico homenageia Drummond de uma forma singela colocando o título do poema ao final da letra.
"Carlos amava Dora, que amava Lia, que amava Léa,/Que amava Paulo, que amava Juca, que amava Dora, que amava /Carlos amava Dora, que amava a vida, que amava Dico,/Que amava Rita, que amava Dico, que amava Rita, que amava / Carlos amava Dora, que amava Pedro, que amava tanto, / Que amava a filha que amava Carlos, que amava Dora,/Que amava toda a quadrilha /Que amava toda a quadrilha /Que amava toda a quadrilha".
Eu não sei porque mas isso me lembra um pouco a estrutura política do Brasil. Completamente perdidos de suas ideologias e voltados únicamente para interesses políticos e casuísmos, os partidos perderam sua identidade e hoje se amam promiscuamente na luta anti democrática de buscar espaços entre as mil possibilidades do poder.
E assim nascem entrelaçamentos estranhos que colocam sob o mesmo lençol as safadezas noturnas dos encontros maliciosos entre ideologias as vezes totalmente antônimas.
O resto é fácil. É só substituir os protagonistas da letra de Chico Buarque, que, fazendo o mesmo com o poema de Drummond, me dá o direito de fazê-lo.
Lula que ama Collor, que ama Dilma, que ama Renan, que ama Sarney, que ama Edmar,que ama Agaciel, que ama Dirceu, que ama Temer que ama toda a quadrilha.
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