sábado, 30 de janeiro de 2010

UM TIRO NA PAIXÃO DE CRISTO

Voce já foi em Minas, nega? Não? Então vá! Vá mas tome cuidado! Vá de boca fechada.

Minas não é recomendada pra quem tem esses chiliques modernos de emagrecimento e nem pra quem tem piripacs presidenciais de pressão etílica ou colesterol alto e outras atividades bucais do pecado da gula.

Minas engorda. Definitivamente engorda. Até o mapa do Estado de Minas é gordo.

Frescura contra gordura? Contra calorias? Contra doces e outras delicias ? Esquece tudo. Até a pobreza do frango, cantado e decantado pela magreza dos seus índices calóricos, por lá vem acompanhado de caldos, onde se vê uma natinha de banha boiando, que o transforma em uma delicia inimaginável.

Afora o leitãozinho a pururuca. Afora as dezenas de pães de queijo, de controle impossível. Afora o feijão, que por lá recebe o nome de tutu, devidamente enfarinhado e bem acompanhado com nacos fartos de lingüiça pura de porco.

O tão famoso queijo de Minas não é tão famoso por acaso. Dizem que por aquelas bandas, principalmente as regiões do triângulo mineiro, o capim tem uma proteína diferente e é exatamente essa proteina que permite a textura integra dessa delicia fabricada por lá. O resto é pura borracha.

E pior: servem o queijo em sanduiche recheado de goiabada, que recebe o nome de Romeu e Julieta.

Minas é Brasil e portanto é linda naturalmente. Milhares de maravilhas naturais espalhadas por toda sua grandeza. E, pra terminar a chaleiragem, é um dos maiores e mais bem cuidados sítios da história do Brasil.

Mas, se você não gostar de nada disso, ainda assim vá. Vá pelo mineiro. Vá pela mineirice ou mineiridade. Vá por um povo inteligentíssimo, que faz questão de parecer meio songo mongo e pegar incautos como eu, com histórias fantásticas contadas como verdades plenamente críveis.

O mineiro é antes de tudo um calmo. Matreiro e silencioso. Sempre em cima do muro. Alheio a fofocas. Parece ter nascido bloqueado quando o assunto é falar mal da vida alheia.

Mas é amigo confiável quando é amigo. E inimigo perigoso quando é inimigo.

Uma dessas histórias, com agá mesmo, por que acredito ser verdadeira, eu ouvi de um velhinho mineiro, que conversava com todo mundo sem encarar ninguém nos olhos. Quando falava abaixava a cabeça ou dirigia o olhar pra outra banda.

Estava eu empenhado em conhecer as maravilhas de um roteiro turístico das Minas Gerais, intitulado de Cidades Históricas. Nele, as belezas são tantas, que é preciso bem mais engenho e arte para descrevê-las do que as pequenas possibilidades disponibilizadas por este escriba.

O melhor é ir mesmo. Ver os profetas de pedra sabão ainda olhando para o futuro, como se buscassem novas profecias. Ao ar livre, frente a uma igreja aparentemente comum, mas suntuosa e totalmente dourada por dentro. Deus é rico e portanto merece a homenagem.

Depois de viajar de Maria Fumaça entre S. João Del Rey e Tiradentes, visitar Ouro Preto e seu majestoso paço municipal e comer, comer e comer, aportei em congonhas.

O show que Aleijadinho deixou naquele município mineiro haverá de ficar em cartaz por toda a eternidade. E, em um dos seus atos, abre-se as cortinas da Paixão de Cristo, construída cena por cena em capelinhas espalhadas por um terreno onde se caminha curvado, sentindo o peso da história nas costas.

O respeito é imposto. A história nos cerca por todos os lados, impondo um silêncio impossível de ser quebrado.

Todas as passagens da Paixão estão lá, em esculturas de tamanho um pouco maior que o real, cuja arte conseguiu expor a dramaticidade que só o toque da genialidade consegue manifestar.

Pois em uma dessas passagens, Cristo sofre com uma chicotada de um soldado romano que é visto com o reio na mão ( infelizmente não achei uma foto ilustrativa da cena). Fica claro que ele acabara de lanhar a costa de Jesus . Dá até pra ver os músculos rígidos de quem se contorce em dores.

Pois eu percebi algo estranho na cena. Havia um buraco na cabeça do romano. Eu não entendi aquilo, até porque o furo trespassava a cabeça do solado pegando exatamente na têmpora do pobre militar.

Foi aí que minha curiosidade exigiu uma resposta do guia turístico. Um velhinho bonachão que parecia ter decorado todas as falas que despejava sobre os nossos ouvidos.

A resposta veio na hora:
“ ...uai sô! Eles diz – mineiro nunca conta nada na primeira pessoa – que foi um fazenderão nervoso que feizi uma visita aqui. Quando o sujeito viu esse marvado aí com o chicote na mão e Jisuis caído, deu pra berrar palavrões vindos do diabo. Fi dua égua. Cachorro safado. Pruquê tu não bate em ômi marvado qui nem eu seu covardo? “

“...eles diz tumbem” – continuou o mineirinho – que o ômi danou a andar daqui pra lá, de lá pra cá, de cá pra lá e viuce veusa...e foi ficando nervoso, nervoso, nervoso...até que supitou.

“...rancou o 38 da cintura e não teve piedade não sinhô...meteu um tiro na cabeça desse fi de puta”.

Se é verdade ou não eu não sei. Mas que eu ouvi, ouvi.

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